Demo Site

sábado, 29 de maio de 2010

Entrevista José Miguel Pêgo




“Não é só manter as pessoas vivas, é manter as pessoas vivas com saúde e conforto”


Anestesista, José Miguel Pêgo é professor auxiliar na Escola de Ciências da Saúde da Universidade do Minho. Publicou 13 artigos em revistas especializadas. Na entrevista que se segue, o médico explica quais são as suas convicções no que diz respeito à eutanásia e ao estado do debate em Portugal.



Qual é a sua posição em relação à eutanásia?




J.M.P- Apesar de não a defender porque não é legal em Portugal, assim como em outros países, compreendo as razões de alguns defensores e simpatizo com algumas das opiniões daquilo que é a eutanásia num contexto terminal em que a medicina já não tem qualquer tipo de solução. Estamos a falar de doentes que têm algumas horas de vida. Não que eu defenda que se pratique, mas compreendo as razões de quem defende esta situação. É completamente diferente da eutanásia descrita em outras situações, como foi descrita durante o período nazi.



Acha que a posição sobre a eutanásia é influenciada por motivos religiosos?



J.M.P- A religião e a moral estão relacionadas. Os valores morais que estão subjacentes a cada indivíduo são o que pode determinar a posição em relação à eutanásia.



Num país maioritariamente católico, os princípios da igreja não pesarão decisivamente na consciência de muitos médicos?



J.M.P- Daqueles que são católicos acreditam na religião cristã penso que sim, em outros pode ponderar ou não. A sociedade portuguesa é uma sociedade com valores morais e éticos orientados para os princípios da religião cristã e isso, obviamente, tem um peso na decisão.


Apesar de ser contrária à ética médica, não será o profissional de saúde, devido aos seus conhecimentos, a pessoa mais indicada a ajudar alguém a ter uma morte mais tranquila?



J.M.P- Os médicos e outros profissionais de saúde têm um papel essencial e, provavelmente, até primordial na acção, se ela alguma vez vier a ser realizada num contexto legal. Não acho, porém, que se possa excluir outro tipo de profissionais que prestem algum aconselhamento jurídico, moral e até religioso, mas claramente os médicos devem ter um papel essencial nessas posições.


Já alguma vez foi confrontado com esse pedido?



J.M.P- Em relação à eutanásia com o próprio doente, não. Contudo, vi contextos em que as próprias famílias de doentes com neoplastias terminais ponderaram suspender determinadas medidas. Os doentes estavam numa fase de agonia, completamente inconscientes e alheados do mundo. Lembro-me, perfeitamente, de uma senhora que tinha uma neoplastia da mama, totalmente inconsciente, em que a família reflectiu sobre manter determinadas medidas. Esse foi o caso mais próximo em relação a estas situações.



Qual é o segredo para convencer alguém que pede a eutanásia de que esse não é o melhor caminho?



J.M.P-
Não sei qual o melhor caminho porque o melhor caminho depende da situação em concreto.Não posso responder, depende muito das situações…



Um médico que desliga a máquina, acha que não pratica a eutanásia?



J.M.P- Pratica, claramente, no sentido em que interrompe um suporte vital de uma pessoa que viveria mais algum tempo, mais alguns minutos com esse suporte. Se quisermos ser latos no sentido da eutanásia sim, nesse contexto. No entanto, na prática e de acordo com a lei portuguesa, se o doente está em morte cerebral o médico não pratica eutanásia.



O Portugal e os portugueses do século XXI estão suficientemente interessados e amadurecidos para discutir as questões “ fracturantes” relacionadas com a ética e a vida?



J.M.P- A maioria dos portugueses desconhece a profundidade do tema. Em Portugal, nunca há uma discussão, mesmo nos focos em que a discussão é mais rica, nunca há uma discussão fundamentada. Existe um grupo de portugueses que está interessado e começa a crescer. Ainda há pouco interesse no global da população.



Estes temas relacionados com a ética e a vida têm sido demasiado politizados?



J.M.P-
Se têm sido usados como política, penso que sim. As discussões não são cientificamente fundadas, não ajudando ao esclarecimento, mas sim para uma discussão que tem mais a ver com os interesses políticos.



Há grupos que estão interessados em legalizar a eutanásia?



J.M.P- Não os conheço, confesso, mas acredito que haja “lobbies” em todos os sectores.



Em países como em Portugal considera que a dor ainda é menosprezada pelos cuidados de saúde?



J.M.P- Considero. Não tenho a certeza em que ano, penso que em 2005, se estabeleceu a dor como quinto sinal vital. Há pouca gente que avalia a dor de uma forma correcta, que avalie a dor sistematicamente, em todos os doentes e em todas as condições. Existe ainda quem menorize a dor. Acho que ainda não há sensibilidade. Não é só manter as pessoas vivas, é manter as pessoas vivas com saúde e conforto.



Portugal está na cauda da Europa no que toca a cuidados paliativos, são um projecto a prazo. O que é que os médicos podem fazer já hoje perante um doente cheio de dores que não aguenta mais e pensa em morrer?



J.M.P- Os médicos têm que se manter actualizados, no sentido de saber identificar as situações e saber como tratá-las. O mínimo que podem fazer é orientar os doentes para os serviços especializados, seja para as especialidades da dor crónica, seja para as especialidades que mais lidam com a dor. As dores podem ser controláveis. Há casos raros, situações em que a dor não é controlável, no caso das neoplastias cerebrais, mas na maioria esmagadora dos casos, a dor é perfeitamente controlável!



Acha que a eutanásia pode vir a ser legalizada em Portugal?



J.M.P- Acho que é provável. Tive um professor de ética que dizia que a eutanásia, tal como outros assuntos, é uma coisa inevitável. Penso que será num futuro próximo, acho que não será tão próximo como muitos desejariam, mas não está tão longe como outros preconizam.



"O testamento vital não carece de referendo"


Promover uma reflexão e um debate nacional sobre a eutanásia é um dos propósitos do presidente da Associação Portuguesa de Bioética.Rui Nunes defende a legalização do testamento vital e o lançamento da discussão entre os cidadãos, através de referendo, da legalização da eutanásia.


Untitled from Silvia Pereira on Vimeo.



RUI NUNES licenciou-se em Medicina, na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) em 1985. Em 1992 efectuou as Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica (FMUP), em 1996 obteve o Grau de Doutor em Medicina/Bioética e em 2002 obteve o Título de Agregado em Sociologia Médica/Bioética nesta faculdade. É Professor Catedrático de Sociologia Médica/Bioética e, desde 1996, Director do Serviço de Bioética e Ética Médica da FMUP. É coordenador do Curso de Mestrado em Bioética da FMUP e do Curso de Pós-Graduação em Gestão e Administração Hospitalar (Associação Portuguesa de Bioética com o apoio da FMUP e da Golden Wheel Consulting). Foi Vice-Presidente do Departamento de Clínica Geral da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto entre 2004 e 2005.
Entre 2002 e 2003 exerceu as funções de Director da Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto. Em 2002 foi eleito Presidente da Associação Portuguesa de Bioética, desde 2003 é membro eleito (Assembleia da República) do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e é membro da Comissão de Ética e Deontologia da Ordem dos Médicos desde 2001. É membro do Kennedy Institute of Ethics (EUA), do Hastings Canter (EUA), da Biopolitics International Organization (Greece), e da Academia Portuguesa de Medicina. Desde 2005 é membro da direcção da International Society on Priorities in Health Care (United Kingdom). Em Março de 2004 foi nomeado pelo Conselho de Ministros primeiro Presidente da Entidade Reguladora da Saúde, funções que exerceu até Setembro de 2005. Organizou numerosos seminários, colóquios e congressos de que se destacam o I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII e IX Congresso Nacional de Bioética. Publicou 14 livros sobre temas relacionados com a bioética e a saúde e 90 trabalhos e pareceres por extenso. Efectuou até ao presente 430 comunicações científicas em congressos e seminários, nacionais e estrangeiros.